quinta-feira, 31 de março de 2011

ANTOLOGIA: "AS CHANCHADAS DA ATLÂNTIDA"

Clemildo Brunet (Foto)
ANTOLOGIA: “AS CHANCHADAS DA ATLÂNTIDA”

CLEMILDO BRUNET*

Os verdes anos de minha vida foram marcados pelos filmes brasileiros produzidos pela a Atlântida Cinematográfica Ltda, exibidos em Pombal na tela panorâmica do Cine Lux. Era um mundo diferente deste que estamos vivenciando hoje. Éramos tão aficionados ao cinema que eu e minha irmã Claudete Brunet de Sá (in memoriam), adquiríamos permanentes com validade de 30 dias, renovável a cada mês do ano, o que nos dava acesso a assistir as reprises, caso o filme nos agradasse.

A chanchada era o gênero de filme brasileiro condenada pela crítica, entretanto, aceita pelo público, tendo como prova o retumbante sucesso de bilheteria. Tratava-se de comédias musicais misturadas com personagens de filmes policiais e de ficção científica. O humor expresso nesses filmes não pode ser considerado como invenção nossa, pois já existiam em países como a Itália, Portugal, México, Cuba e argentina, quando chegou por aqui.

A crítica nacional a tinha como trivial, por esta razão foi apelidada de chanchada com muita controversa para a origem da palavra, mas que pode ter surgido na língua espanhola, significando “porcaria”, mesmo assim recebia os aplausos da platéia. "Com seu humor quase sempre ingênuo, às vezes malicioso e até picante, a chanchada se impôs como um entretenimento de massa", diz o jornalista Sérgio Augusto, autor do livro - Este Mundo é um Pandeiro - a Chanchada de Getúlio a JK.

Uma maneira de se conquistar o público é que as primeiras produções apresentavam grandes astros do rádio, como Carmem Miranda e Francisco Alves. Os ouvintes que só escutavam as suas vozes no rádio iam ao cinema para ver seus ídolos preferidos. A despeito da influência do cinema norte americano que vez por outra era parodiado, as chanchadas eram na sua essência genuinamente brasileiras, abordando temas de problemas do cotidiano e fazendo humor com uma linguagem de fácil compreensão.  

A Atlântida do cinema brasileiro teve seu início em 18 de setembro de 1941 e seus fundadores Moacir Fenelon e José Carlos Burle, no intuito de desenvolver a indústria do cinema em nosso país, liderou um grupo de entusiastas pela sétima arte, dos quais faziam parte, o jornalista Alinor Azevedo, o fotógrafo Edgar Brasil e Arnaldo Farias. Era propósito reunir um cinema artístico com o cinema popular.

Em 1943 a Atlântida é fortalecida - sendo consolidada como a maior produtora de filmes do Brasil. É pena que o filme que a consagrou não tenha nem sequer mais cópia. “Moleque Tião” que teve no papel principal o ator Grande Otelo, inspirado em dados biográficos do próprio artista.

Segundo o depoimento do diretor do filme, José Carlos Burle, “Moleque Tião”, narra a história de um garoto pobre do interior de Minas Gerais que sonhava ser artista. Atraído pela notícia de uma Companhia Negra de Revista que vinha fazendo sucesso, Tião viaja para o Rio de Janeiro onde se consagra após muita luta e persistência. O filme segundo a crítica abria caminho para um cinema voltado as questões sociais, ao contrário da preocupação que se tinha de divulgar gêneros musicais.

De 1943 a 1947, foram produzidos (12) filmes, destacando-se “Gente Honesta” com Oscarito no elenco (1944) e “Tristezas Não Pagam dívidas”. Em 1945, a companhia cinematográfica Atlântida Ltda - passa a ter a direção de Watson Macedo que em 1946 faz a comédia musical “Segura Essa Mulher” com Grande Otelo e Mesquitinha, grande sucesso de bilheteria, inclusive na Argentina.

O crescimento da Atlântida avançou mais ainda em (47), o sucesso das chanchadas era de tal maneira que outros investidores se viram atraídos pela companhia a exemplo de Luiz Severiano Ribeiro Júnior, que tinha em seu domínio 40% das salas de exibições no Brasil. Dessa maneira ele teria grande participação nos lucros, A grande surpresa veio, ainda, quando noticiaram que Severiano havia comprado uma grande quantia de ações da Atlântida, tornando-se acionista majoritário e, consequentemente, dono da companhia.

Nos anos (50) quando o mundo musical americano dominava o mundo, a Atlântida ficou mesmo conhecida pelas chanchadas ou comédias populares. O Público lotava os cinemas e reverenciava seus ídolos, Oscarito e Grande Otelo com suas irreverências e deboche; os galãs Ancelmo Duarte e Cyll Farney; as garotas Eliana, Fada Santoro e Adelaide Chiozzo; os vilões José Legwgoy e Renato Restier e os cantores Francisco Carlos, Emilinha Borba, Jorge Goulart, Nora Ney e Dores Monteiro entre outros.

Um dos maiores artistas do cinema brasileiro, Carlos Manga, montador, roteirista, diretor de cinema e televisão, foi o principal artesão de um gênero de comédia popular- a chanchada - com seus números musicais carnavalescos e as atuações de Grande Otelo e Oscarito; por mais de duas décadas manteve com sucesso o filme brasileiro nas telas apesar da forte concorrência do cinema norte americano.

Grande Otelo e Oscarito (Foto)
Carlos Manga foi levado aos estúdios da Atlântida pelas mãos do ator e cantor Cyll Farney. Manga havendo passado por várias funções, pouco depois assumiu em definitivo a função de diretor em A dupla do barulho (1953), primeiro filme em que Oscarito e Grande Otelo seriam transformados na mais bem sucedida parceria do humor brasileiro.

Os cinemas brasileiros sempre tiveram casas cheias, o público comparecia em massa para assistir as chanchadas da Atlântida até meados dos anos 50. Porém, com o aparecimento da TV, o surgimento do cinema novo mais politizado e o desgaste natural do gênero, fizeram com que as chanchadas fossem perdendo espaço. Entretanto, elas as “Chanchadas” entraram para história marcando um dos períodos mais produtivos do cinema nacional.

Em 2007, a Atlântida - fez o lançamento de uma coletânea de muitas dessas películas em DVD, das quais venho colecionando. Quando as repriso, lembro-me sempre com emoção das coisas boas que vivi e do extinto Cine Lux de Pombal. É como diz o escritor pombalense Jerdivan Nóbrega de Araújo: “Ver um filme no Cine lux, antes de ser uma forma de entretenimento numa pequena cidade do interior, era, acima de tudo, um raro momento de prazer que, só quem viveu aquela época, poderá explicar”. Do livro, Em Algum Lugar Chamado Pombal Pag. 103.

Pombal, 30/03/2011
*RADIALISTA
Twitter @clemildobrunet

Nenhum comentário: