sábado, 18 de abril de 2009

Líderes e famílias viajam ao exterior, Câmara paga

Escândalo - Metade dos 23 líderes da Câmara utilizou a cota de passagens em 82 viagens internacionais nos últimos dois anos. O uso indiscriminado do benefício transcende as bandeiras partidárias e ideológicas, envolvendo 11 lideranças da base governista e da oposição.
Pelo menos oito líderes aproveitaram o recurso da Câmara para levar parentes para o exterior. São eles: Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), José Aníbal (PSDB-SP), Sandro Mabel (PR-GO), Mário Negromonte (PP-BA), Sarney Filho (PV-MA), Fernando Coruja (PPS-SC), Ivan Valente (Psol-SP) e André de Paula (DEM-PE), líder da minoria na Casa. Também cederam o benefício a terceiros para viagens internacionais Daniel Almeida (PCdoB-BA), Uldurico Pinto (PMN-BA) e Cléber Verde (PRB-MA).
Clique aqui para ver a relação de viagens de cada um delesO destino preferido dos parlamentares e de seus familiares é Nova Iorque. A cidade americana aparece como origem ou destino de 28 viagens custeadas com recursos públicos. Paris desponta, logo a seguir, na preferência dos deputados. A capital francesa é ponto de chegada ou partida em 16 ocasiões. Miami, com 15 viagens, é a terceira cidade estrangeira mais visitada com verba da Câmara pelos líderes. No total, gastaram R$ 145,6 mil.
Três líderes utilizaram a cota em voos para o exterior mais de dez vezes. Com 23 viagens, Mário Negromonte é o campeão em uso da cota com passagens internacionais. Fernando Coruja, com 19, e Henrique Eduardo Alves, com 13, aparecem na sequência.
Lideranças em viagens
O líder do PP, Mário Negromonte, utilizou o benefício da Câmara para viajar com a mulher, Edna, e as filhas Daniella e Gabriella. Sempre no eixo São Paulo-Nova Iorque. Os bilhetes foram emitidos em datas diferentes, que vão de maio de 2007 a agosto de 2008. Também foram liberados outros quatro bilhetes para Leonardo Dantas da Silva, todos com destino e origem no aeroporto JFK, em Nova Iorque. As passagens foram expedidas entre abril e agosto de 2008.
Negromonte confirma as viagens com a família na cota da Câmara e diz não ver nenhum problema nisso. "Se não fosse permitido, ninguém faria. Tudo foi feito dentro da legalidade. Se não fosse assim, a Câmara não teria autorizado", disse.
O líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves, emitiu 13 bilhetes internacionais por meio de sua cota entre 2007 e o ano passado. As oito primeiras passagens, de ida e volta, entre São Paulo e Miami, foram registradas em julho de 2007, às vésperas do recesso parlamentar, em nome do próprio deputado, de sua mulher, Priscila, e dos filhos Andressa e Pedro Henrique.
No final daquele mês, já no recesso, o líder do PMDB usou a cota para viajar para Buenos Aires. A volta da capital argentina se deu pelo Rio de Janeiro. Há outros três registros de viagem em nome de Henrique, da mulher e do filho de São Paulo para Nova Iorque. As passagens foram emitidas em março e junho de 2008.
O Congresso em Foco procurou a assessoria de imprensa da liderança do PMDB na quinta-feira, mas não obteve retorno até o momento da publicação.
O líder do PPS, Fernando Coruja, emitiu 19 bilhetes internacionais com sua cota entre março e outubro de 2007. O deputado catarinense viajou com a mulher Cristina Agustini e os filhos Guilherme e Maria Fernanda para Paris. Os oito bilhetes (soma da ida e da volta) foram emitidos em 18 de outubro de 2007. Coruja e Cristina já haviam viajado com o benefício da Casa em março daquele ano.
Na cota do líder do PPS aparecem outras quatro passagens só de ida para quatro pessoas da mesma família. Gustavo, Andrea, Carolina e Giovana, todos com o sobrenome Amorim. As passagens foram emitidas no dia 25 de setembro de 2007. Os quatro viajaram de São Paulo até Miami.
Também viajaram para fora do país com a verba da Câmara, na cota do deputado, Adélia Tealdi e Ramon Silva. Ambos aparecem em lista de servidores da Secretaria de Saúde de Santa Catarina, mas o site não conseguiu localizá-los. A pasta foi comandada por Coruja entre 2003 e 2004.
Os dois tiveram passagens de ida e volta para Buenos Aires pagas pela Casa. A mulher do deputado teve uma passagem, de São Paulo à capital argentina, emitida na mesma data que os ex-assessores de Coruja, dia 22 de março de 2007.
Procurado pelo site, o deputado alega que usou a cota dessa maneira por entender que a legislação permite. Ele defende agora que sejam estabelecidos critérios mais restritos para se gastarem as verbas parlamentares (confira a resposta completa).
Ida e volta
O líder do PV, Sarney Filho, usou nove bilhetes internacionais entre agosto de 2007 e julho de 2008. O filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), viajou com a mulher, Camila Serra, na cota da Câmara para Buenos Aires. Os bilhetes foram emitidos no dia 7 de dezembro de 2007. Em março de 2008, o casal fez nova viagem. O destino dessa vez foi Madri.
Marcos Sarney, filho do deputado, teve viagem da capital paulista a Miami, em agosto de 2007, paga pela Casa. Em junho de 2008, Maria Fernanda Del Rey usou a cota do deputado para voar de Santiago do Chile a São Paulo. Em 18 de julho daquele ano, foram expedidas passagens de ida e volta para Montevidéu em nome de Celina Mendonça.
Sarney Filho disse que vai apurar o uso de sua cota em viagens internacionais. “Meu gabinete sempre foi orientado tanto no caso de passagens como utilização da verba indenizatória a seguir os procedimentos da Câmara. Estou apurando o que realmente ocorreu nos casos citados e se for constatado algum equívoco este será reparado na forma do regimento da Câmara dos Deputados”, afirmou o líder do PV.
O líder do PR, Sandro Mabel (GO), tem quatro bilhetes internacionais retirados na TAM com sua cota. Todos foram emitidos no dia 4 de junho de 2007. São de ida e volta para o deputado e sua esposa, Claudia Scoddro, para Buenos Aires. O casal partiu de Porto Alegre e retornou da capital argentina por Florianópolis.
Mabel não retornou o contato feito pela reportagem com a sua assessoria de imprensa.
Casais em Paris
O líder do PSDB, José Aníbal (SP), usou o benefício da Câmara para fazer uma viagem com a mulher, Edna Pontes, a Paris. Os bilhetes, de ida e volta, foram emitidos no dia 14 de novembro de 2007. Também há registro de uma passagem expedida no dia 25 de agosto de 2008 em nome da filha do tucano, Maria do Carmo Pontes, de Nova Iorque para São Paulo.
O deputado confirma que a viagem a França foi bancada pela Câmara. Aníbal afirmou, por meio de sua assessoria, que os valores atribuídos à passagem da filha dizem respeito a uma alteração no voo de retorno de Maria do Carmo.
“À época, o deputado determinou a um funcionário que pagasse a diferença cobrada pela companhia aérea para alterar a data da volta, e o funcionário, equivocadamente, entendeu que essa diferença deveria ser debitada na cota parlamentar. Só agora, com o questionamento surgido, o deputado soube que o débito da diferença fora feito em sua cota”, informou a assessoria de Aníbal (veja a resposta completa).
Paris também foi o destino escolhido pelo líder do Psol, Ivan Valente. Ele e a mulher, Vera Valente, usaram a cota da Câmara para viajar até a capital francesa. Os bilhetes, de ida e volta, foram expedidos em nome do deputado e da esposa no dia 13 de dezembro de 2007.
O chefe de gabinete da liderança do Psol, Rodrigo Pereira, informou que Ivan Valente usou um "crédito antigo" para viajar ao exterior com sua esposa. "O nosso é um alfinete no meio de muitas agulhas. Em certa medida, todo mundo faz isso", avalia Pereira.
O novo líder da minoria, André de Paula, cedeu créditos da Câmara para a filha mais velha, Maria Cláudia de Paula, viajar a Paris. Os bilhetes foram emitidos nos dias 12 e 27 de dezembro de 2007. Maria Cláudia voou do Rio pra a França, e retornou diretamente para o Recife.
André não retornou o contato feito pela reportagem com sua assessoria.
Passagens cedidas
Outros três líderes passaram créditos da Câmara para viagens internacionais de terceiros. José Carlos Ruy, integrante da Comissão Nacional de Comunicação do PCdoB e editor da revista Princípios, usou a cota do líder do PCdoB, Daniel Almeida. Ruy viajou de São Paulo a Santiago do Chile. O bilhete foi emitido no dia 19 de dezembro de 2007.
O líder do PCdoB alega que José Carlos Ruy o representou num evento no Chile promovido pelo Partido Comunista daquele país para marcar a luta contra a ditadura do general Augusto Pinochet. “O bilhete emitido para o deputado foi usado pelo seu representante. O uso da passagem atendeu aos preceitos legais do Ato da Mesa nº 42, de 21/06/2000”, alega Daniel, por meio de sua assessoria (veja a resposta completa).
Novo líder do PMN, Uldurico Pinto tem uma passagem para o exterior emitida por meio de sua cota mensal. A favorecida é Dionée Alencar, identificada por ele como funcionária concursada da Casa. Dionée viajou de Buenos Aires para São Paulo. A emissão da passagem, pela TAM, foi feita no dia 27 de setembro de 2007.
Uldurico informou que vai devolver os R$ 779,67 usados de sua cota para pagar a viagem. "O motivo da liberação apenas do trecho de volta deveu-se a solicitação urgente de seu retorno, por necessitar de seus serviços e, ainda, por motivo de saúde", justifica o líder em nota enviada ao site (veja a resposta completa).
O líder do PRB, deputado Cleber Verde (MA), usou sua cota para três bilhetes internacionais. Dois deles para Loren Robinson e outro para Adriana Freitas. Loren viajou de Manaus para Miami. A Câmara pagou passagens de ida e volta. Já Adriana ganhou um bilhete de São Paulo a Nova Iorque. Os dois primeiros bilhetes foram emitidos no dia 4 de dezembro de 2007. O de Adriana, no dia 2 de abril de 2008. O Congresso em Foco enviou mensagem eletrônica para o deputado, mas não houve retorno até o momento da publicação .
Colisão com a norma
Após os escândalos com as passagens aéreas trazido à tona por este site ao longo da semana, Temer decidiu rever as regras e determinar a instalação de uma comissão de sindicância na Casa para apurar as denúncias. O Ministério Público Federal encaminhou orientação à Câmara esta semana, reiterando que a cota não pode ser usada por terceiros, tampouco para qualquer atividade que não o exercício do mandato.
O ato normativo que trata das passagens aéreas não permite o uso da cota por terceiros em atividades que não estejam diretamente relacionadas ao mandato parlamentar.
O Ato 42, de 21 de junho de 2000, da Mesa Diretora, estabelece um crédito em viagens para os parlamentares conforme o estado de origem. O texto foi assinado, na época, pelo presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP), durante sua primeira gestão. A regra revogou o Ato 4, de 1971, que garantia aos deputados quatro passagens aéreas gratuitas por mês, uma das quais entre Brasília e a antiga capital federal, o Rio de Janeiro. A mudança foi justificada, na ocasião, como uma necessidade do exercício do mandato. Os parlamentares se queixavam que, com a restrição das viagens ao estado de origem, não podiam visitar outras unidades da Federação para participar de debates nacionais.
A norma de 2000 foi alterada em 2002 pelo então presidente da Casa, Aécio Neves (PSDB-MG). Na época, a Mesa decidiu beneficiar seus integrantes e os líderes partidários com um acréscimo na cota mensal de passagens aéreas. Com isso, os titulares da Mesa passaram a ter, além do valor previsto para suas respectivas bancadas, 70% do maior valor da cota, ou seja, do crédito estipulado para os representantes de Roraima.
Os suplentes de secretário e os líderes partidários e do governo também passaram a ter direito, desde então, a um adicional de 25% sobre a maior cota. Conforme revelou o Congresso em Foco no último dia 15, cinco dos 11 integrantes da Mesa Diretora utilizaram a cota da Câmara para bancar 49 viagens internacionais nos últimos dois anos (leia mais). O fim do adicional dos líderes e dos integrantes da Mesa estão entre as medidas anunciadas esta semana para “moralizar” o uso das passagens. Além de reduzir a cota em 20%, os deputados decidiram legalizar o repasse de suas passagens aéreas para familiares.
Fonte: Congresso em Foco

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